Apesar do tema intrigante (a influência norte-americana no golpe militar brasileiro, em 1964), o primeiro elemento que chama a atenção neste documentário é a estética. Começamos o filme com uma imagem digital, dentro de uma sala de detetive feita em animação. A câmera passeia pelos detalhes no mural, com documentos sigilosos, enquanto vozes em inglês falam sobre gestões governamentais. Poderíamos estar em um episódio de CSI, em um jogo de videogame sobre segredos de Estado, ou em uma grande produção de detetives norte-americana. A aparência high-tech e virtual domina a cena, até o título brasileiro aparecer na tela.
Enquanto alguns documentários históricos desejam informar ou persuadir, preocupando-se mais com a pedagogia do que com a estética, O Dia que Durou 21 Anos chama a atenção pelo próprio uso da linguagem cinematográfica. O emprego de fotografias de arquivo animadas, de trilha sonora pulsante durante as imagens de manifestação, ou ainda a montagem acelerada sugerem uma preocupação em seduzir o espectador, entretê-lo. Este é um dos raros filmes sobre a ditadura que oferece ao público mais do que exige dele.
Por um lado, esta escolha traz suas vantagens. Com a curta duração de 77 minutos, o ritmo da produção é acelerado, envolvente. A sugestão de que um filme deveria ser exibido nas salas de aula costuma equivaler a uma insinuação depreciativa por parte da crítica, como se a obra fosse limitada ao didatismo e às boas intenções, mas neste caso, as instituições de ensino poderiam fazer bom uso da exposição empolgante deste episódio central do passado brasileiro. Poucas vezes a História foi tão agradável de assistir, não devendo nada a grandes ficções americanas em termos de suspense e requinte de produção.
Por outro lado, esta não é uma grande ficção americana, e é justamente o uso típico de ferramentas de ficção que gera os maiores problemas de O Dia que Durou 21 Anos. O filme manipula digitalmente imagens de John F. Kennedy, como se ele estivesse olhando preocupado para as declarações do presidente João Goulart, e em outros momentos inclui uma trilha digna de Rocky - Um Lutadorpara mostrar a chegada do reforço americano ao Brasil. Em outro momento, pobres trabalhadores do campo movem suas enxadas ao som de um bom samba. Os grãos das fotos antigas e o som ruidoso dos registros telefônicos de época ajudam a compor o ambiente sombrio e fetichista. O limite entre ficção e realidade, entre representação e espetacularização da realidade é muito tênue neste caso.
Da mesma maneira, é curioso que a maior parte da explicação histórica sobre a ditadura brasileira venha de peritos norte-americanos, enquanto aos brasileiros ficam reservadas principalmente as lembranças pessoais. De um modo geral, são eles que explicam, e nós confirmamos, através de passagens históricas de antigos políticos e militares envolvidos na ditadura. Neste documentário de estética americana e abordagem brasileira, os yankees são o cérebro, e os brasileiros aparecem como o coração. Até um historiador brasileiro, uma das únicas autoridades locais a discursar sobre o assunto de um ponto de vista externo, o faz dentro da Biblioteca Nacional, com uma fotografia amarelada, pouco cuidadosa, enquanto os entrevistados americanos são banhados em luzes precisas, bem trabalhadas.
Mesmo assim, é louvável que o cineasta Camilo Tavares, filho de um militar que lutou na ditadura, consiga ouvir de maneira respeitosa os dois lados da história, incluindo personalidades que defenderam (e ainda defendem) o golpe militar. Existe complexidade neste discurso, que não se limita à denúncia nem ao saudosismo da ideologia militante dos anos 1960. O teor político é abordado de maneira equilibrada pelo cineasta, mas a linguagem cinematográfica vai longe demais em sua tentativa de conquistar o espectador.
De Bruno Carmelo
Indicação de Ricardo Pignatti
Fonte: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-213237/criticas-adorocinema/