terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Projeto Pedra Memória – diálogos Brasil e Benin

O projeto Pedra da Memória, que recebeu o Prêmio Interações Estéticas da FUNARTE/MinC, propõe uma investigação estética entre os gêneros tradicionais cultivados no Brasil e no Benin (África Ocidental), revelando seus vínculos e particularidades.

 

Trailer do documentário Pedra da Memória - YouTube

  O projeto promoveu um profundo diálogo entre a cultura dos dois países, ao levar a comunidades de culto vodum no Benin uma comitiva da Casa Fanti Ashanti. Ao longo de 5 semanas, Renata Amaral, o Babalorixá Euclides Talabyan, o antropólogo beninense radicado no Brasil Brice Sogbossi, a Yakekerê Isabel e um Ogan da comunidade maranhense visitaram as cidades de Cotonou, Abomey, Ketou, Porto Novo, Ouidah, Allada, Pobe e Sakete, realizando encontros e registros audiovisuais de diversas tradições como os Toques de vodum, Zangbeto, Egungun, cerimônias Geledés, música Kudo e as tradições dos Agudás, os afrobrasileiros do Benin, descendentes de ex escravos e trabalhadores do tráfico escravagista que retornaram ao Benin quando a escravidão foi abolida. Além do grande material registrado na viagem – cerca de 60 horas de vídeo, 20 de áudio multipistas e  dez mil fotos – e do acervo pessoal de quinze anos de pesquisas de Renata em diversos estados brasileiros, foram feitos ainda novos registros no Maranhão ao longo de seis meses de residência artística na Casa. A Casa Fanti Ashanti, fundada em 1958 pelo babalorixá Euclides Talabyan, é hoje um dos centros afro religiosos mais importantes em atividade no Maranhão, referência da influência jeje nagô no Brasil, e tema de estudos, teses e artigos de inúmeros pesquisadores em todo o país. Lá são cultuados os voduns trazidos do Benin, além dos orixás nagôs e diversas entidades surgidas no Brasil. Esta comunidade convive com símbolos, objetos, cânticos e rituais plenos de africanidade onde a cultura jeje nagô resiste com raro vigor. Tendo se tornado Ponto de Cultura em 2006, o intenso calendário de atividades da Casa inclui tradições sagradas e profanas como o Tambor de Mina, Candomblé, Pajelança, Baião de Princesas, Samba Angola, Mocambo, Tambor de Crioula, de Taboca, Canjerê, Bumba Boi, Festa do Divino e outros.

Renata Amaral, artista e pesquisadora, bacharel em Composição e Regência pela UNESP, realiza um amplo trabalho de criação de espetáculos, arte-educação e produção cultural, tendo produzido mais de 30 CDs e 10 documentários de cultura tradicional nos últimos 10 anos. Cultiva com a Casa Fanti Ashanti laços profundos de amizade e colaboração que já resultaram em diversos CDs e documentários da Casa, e o disco Baião de Princesas, parceria musical da Fanti Ashanti com seu grupo A Barca. Recebeu pelo segundo ano consecutivo o Prêmio Interações Estéticas da Funarte, sendo reconhecida como uma das principais expertises brasileiras em cultura tradicional.

Os escravos que saíam do porto de Ouidah (Benin) rumo ao novo mundo, eram levados antes à Árvore do Esquecimento, plantada pelo rei Agadja em 1727. Em torno desta árvore, os homens deveriam dar nove voltas, e as mulheres sete, para que se esquecessem de suas origens, sua identidade cultural, suas referências geográficas. Sabiam os mercadores de escravos que a memória é arma poderosa de resistência, ferramenta de identidade e instrumento de criação. Mnemósine, deusa grega que é a personificação da Memória, não por acaso é a mãe das Musas.

Os registros sobre as contribuições dos grupos iorubas e bantos são abundantes, no entanto, apesar de ter sido o Dahomé um dos principais portos de origem do enorme contingente de escravos trazidos ao Brasil, são menos numerosos os estudos sobre a cultura jeje, e especialmente sobre o enorme patrimônio cultural afro brasileiro existente no Benin. Estas relações e memórias se evidenciam também na cultura dos Agudás, que hoje representam 10% da população do Benin. A influência brasileira lá é surpreendente e pouco conhecida. Na época da abolição da escravatura, muitos escravos libertos, em geral pequenos comerciantes e artesões, voltaram do Brasil para o Benin, formando uma elite local que dominou o comércio e a construção civil do Dahomé (atual Benin) por toda a primeira metade do século XX. O Brasil está presente também na arquitetura, culinária, língua e outros aspectos culturais. Cultivando até hoje com impressionante dedicação as tradições de seus antepassados como o Carnaval, a Festa do Senhor do Bonfim e a Burrinha (aparentada ao bumba boi), os Agudás se consideram brasileiros, e invertem desconcertantemente nossa noção de ancestralidade.

Esta experiência transformadora resultou na mostra fotográfica e o documentário Pedra da Memória, que trazem um material inédito e precioso sobre as tradições populares brasileiras e beninenses, em uma aproximação poética e reveladora. Pedra da Memória quer fazer o caminho inverso da Árvore do Esquecimento, e fomentar os re-conhecimentos.

Texto:Marcelo Manzatti - http://www.famalia.com.br/?p=11547

Trailer do Documentário Pedra da Memória Youtube indicação de José Fernando Oliveira Moreira.

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