sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

SP precisa colocar 'dedo na ferida' e assumir discriminação racial

Para Netinho, SP precisa colocar 'dedo na ferida' e assumir discriminação racial

Secretário vai investir no combate à violência contra a juventude negra da periferia, em políticas de cotas e em valorização dos negros no mercado de trabalho

 

Para Netinho, SP precisa colocar 'dedo na ferida' e assumir discriminação racial

Secretário disse que será criado o conselho municipal de combate ao racismo, onde a sociedade civil terá participação garantida (Foto: Gerardo Lazzari/RBA)

São Paulo – O combate à violência contra a juventude negra na periferia de São Paulo, a adoção de cotas raciais para o serviço público e a gestão junto ao empresariado para equiparação de salários entre bancos e negros são alguma das ações previstas pela nova Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial do município, criada pelo prefeito Fernando Haddad (PT).

Netinho de Paula, vereador eleito pelo PCdoB, assumiu a pasta com a missão deviabilizar este e outros programas. Ele pleiteia um orçamento de R$ 150 milhões e aponta a autonomia financeira como um reconhecimento da luta do movimento negro, que durante 20 anos teve uma coordenadoria no poder municipal, mas nunca contou com receita própria. 

Com 42 anos, Netinho trocou o segundo mandato na Câmara pelo cargo de secretário e afirma que a cidade de São Paulo precisa "colocar o dedo na ferida" e assumir que nos negros são discriminados e excluídos dos espaços locais de poder. Este segundo ele, é o primeiro passo para os problemas sejam resolvidos.  

Confira abaixo entrevista exclusiva de Netinho à RBA:

Quais serão as principais atribuições da secretaria?

Esta secretaria surge como fruto de um amplo diálogo com a sociedade e particularmente com a luta do movimento negro nos últimos anos. Nós tínhamos uma coordenadoria, a exemplo do que acontece na grande maiorias das cidades Brasil afora. Geralmente uma coordenadoria sem muita estrutura, sem muito poder de ação e tendo que trabalhar somente demaneira transversal, sem dotação orçamentária e sem ter uma linha programática. É neste sentido que o prefeito Fernando Haddad mais uma vez sai à frente tornando a antiga Coordenadoria dos Assuntos da População Negra (Cone) de fato uma secretaria que tem a atribuição principal de provocar na sociedade paulistana a discussão da igualdade racial. Colocar odedo na ferida de qual é a importância da população negra na formação da cidade e o por que que esta população negra se encontra hoje tão excluída das instâncias de poder na cidade. Esta é a principal atribuição desta secretaria.

E quais eixos vão nortear o trabalho do senhor na secretaria?

Temos alguns eixos estruturais. O primeiro deles é dar maior poder à juventude e à mulher negra. O segundo é a implementação da Lei 10.639, que tornou obrigatório desde 2003 o ensino de história e cultura afrobrasileira na educação fundamental do país, que ganhou corpo desde 2007, mas que muito pouco foi feito para a implementação. E o terceiro é o turismo étnico na cidade de São Paulo. Também vamos trazer para São Paulo o programa Juventude Viva, tendo em vista o alto índice de violência que atinge a juventude negra na periferia de São Paulo. Este programa foi um grande experimento do governo federal em Alagoas, no qual foram tratadas questões que são endêmicas, como a escola, a violência, a oportunidade de emprego. Para isto nós contamos com a participação do governo do Estado porque eu faço questão que jovens que estão na Fundação Casa participem, que a grande maioria é de jovens negros.

O que a secretaria vai fazer em relação ao combate ao preconceito?

Se nós conseguirmos implantar parte da Lei 10.639, que é uma luta histórica do movimento negro, quanto ao material e o ensino sobre a africanidade e dos afrobrasileiros, com material aprovado pelo Ministério da Educação (MEC), e conseguirmos entregar este material para as crianças e jovens no município de São Paulo será um grande avanço no combate ao preconceito. Tratar a questão étnica e a autoestima é um grande avanço. Outra frente são as incubadoras para dar maior poder à população negra. Queremos fazer parcerias com as empresas que fornecem produtos para a prefeitura e colocar a juventude negra para produzir e fornecer para que, no futuro, possam participar das licitações da prefeitura como empreendedores. Estas são algumas ações que a secretaria vai encabeçar para tornar mais economicamente ativa a população negra de São Paulo.

Com relação à violência e a desigualdade no mercado de trabalho, qual será a estratégia da secretaria?

O programa Juventude Viva trata do combate à violência e para que possamos implementar ações contra a violência vamos precisar da ajuda do secretário de Segurança do Estado, portanto o governador tem que participar. Nós já acionamos o Gilberto Carvalho (ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República), que é o representante do governo federal. Este é um apelo feito pela Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, mas vai contar com a participação deoutras secretarias, como a Secretaria de Direitos Humanos e Participação Social. No programa das incubadoras nós estamos tratando de fortalecimento real, economicamente. Nós temos na próxima semana um encontro com o Paulo Skaf, presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) para discutir de que maneira a indústria possa participar ativamente da evolução econômica do povo negro.

Como será o relacionamento com os movimentos sociais?

A melhor maneira que nós encontramos de ouvir a sociedade além da questão de coletar denúncias de racismo e preconceito foi a criação de um Conselho Municipal. A partir do momento em que a Secretaria de Promoção da IgualdadeRacial tiver sua implementação aprovada pela Câmara, nós vamos criar um o Conselho Municipal onde a sociedade civil terá, de maneira ativa, a participação na secretaria.

O sr. anunciou como uma das metas da secretaria a criação de um canal de comunicação para promover a igualdade racial. Como será este projeto?

Quando eu recebi o convite para assumir a secretaria eu falei para o prefeito sobre a dificuldade para mostrar a visão étnica da população negra tendo em vista que os órgãos de comunicação são majoritariamente compostos por pessoas brancas, e que elas fazem uma comunicação com a visão delas, inclusive sobre a discriminação. E que nós precisamos ter um espaço para mostrar a nossa visão. O prefeito entendeu e acolheu este pedido. Assim que tivermos a lei criando a secretaria nós vamos criar mecanismo para abastecer com conteúdo nacional e com parcerias internacionais com outras TV educativas, de países como Angola, Moçambique, Cabo Verde, EUA e África do Sul, por exemplo, onde possamos tratar sobre a questão da discriminação a partir da nossa visão de mundo.

Como será o projeto para a implementação do turismo étnico?

Isto nós vamos ter que discutir com a SPTuris. Mas, a priori, queremos marcar os pontos étnicos de São Paulo. Nós temos, por exemplo, Bela Vista e Liberdade que são bairros que tiveram grande concentração de negros após a abolição, temos vários lugares com grande concentração da população negra. Temos o Largo do Rosário, a Igreja da Mãe Preta e vários outros pontos onde a população negra contribuiu ativamente na formação da cidade de São Paulo. A exemplo do que aconteceu com os orientais, imigrantes italianos. A amplitude e o tamanho de São Paulo requer este turismo étnico e passear por estes pontos será uma vantagem a mais para os turistas que vierem para São Paulo.

Como sr. vê sua indicação para este cargo?

É um privilégio. A questão étnica sempre acompanhou a minha vida, a minha pauta, desde a minha vida artística, no Negritude, minha atuação na Câmara, na campanha eleitoral de senador e agora poder transformar todos os questionamentos em política pública e trazer este debate para a sociedade é um privilégio que eu pretendo desempenhar com a maior grandeza possível. Não depende só de mim e eu pretendo contar com o apoio dos movimentos sociais, dos partidos políticos e dos políticos em geral da cidade. Tratar da questão da discriminação e do preconceito requer, antes demais nada, uma autoanálise. A cidade primeiro precisa se assumir como preconceituosa para depois tratar isso, que eu considero uma doença.

Pesquisa do IBGE aponta que 63,7% da população brasileira reconhece que a cor ou raça influencia a vida das pessoas e que o trabalho é área mais atingida. Como o sr. pretende atuar para combater a desigualdade no mercado de trabalho?

Estes índices mostram bem como é a exclusão da população negra nas esferas de poder. Nós precisamos passar por uma ampla campanha de conscientização. Isto é prioritário na cidade de São Paulo. Antes de adotar a política de quotas no funcionalismo público, que é uma política que nós defendemos, que tem o apoio do prefeito Fernando Haddad, e pretendemos implantar, ou ampliar as quotas nas universidades públicas, este um debate já ganho na sociedade, se não conscientizar de que existe esta diferença, a gente não consegue tratar. Por isto nosso papel é também o de chamar todas as secretarias municipais para uma ampla campanha de conscientização.

Na cidade de São Paulo, segundo pesquisa da Fundação Seade, os trabalhadores pardos e negros recebem salário correspondente a 61% da remuneração dos não negros. Como a secretaria vai atuar nesse ponto?

Eu acho que é possível, mas nenhum empresário vai admitir que paga menos para os funcionários negros. É preciso ir paradentro da empresa dele, ele precisa aceitar que eu vá, que a Secretaria vá até lá, e mostre que isto ocorre na empresadele. Você não vai encontrar em São Paulo ninguém que fale: eu sou racista. Este é o tipo de racismo mais institucional que existe e é por isto que o negro sofre tanto. Esta diferença a gente vê na qualidade de vida, na instância econômica. É por isto que eles estão na periferia, nas piores casas, nos piores cargos. Na semana que vem nós vamos nos reunir com o Paulo Skaf para debater com os empresários o que já é uma constatação no campo empírico, que são os resultadosdestas pesquisas. A partir do momento que temos em mão estes índices e os empresários, por meio de parceria entre a secretaria e a iniciativa privada, sejam sensibilizados sobre isto, acho que podemos reverter isto, em São Paulo, com reflexos para todo o país.

O sr. acha que a política de quotas pode reverter este quadro?

O processo de ingresso nas universidades pelo sistema de quotas é recente. Ainda temos muitos jovens negros que não concluíram o curso universitário. A entrada de jovens na universidade é grande, mas ainda há muitos problemas e há mecanismos que precisam ser aperfeiçoados. Na Câmara, por exemplo, nós constatamos que muitos jovens negros, bolsistas do Prouni, enfrentam dificuldades para ir à universidade por causa das tarifas do transporte público. Precisamos garantir além do acesso à universidade, também que estes jovens possam concluir os cursos. A questão não é mais só sobre falta de mão de obra qualificada para justificar esta diferença. A grande questão é saber o que a indústria tá fazendo para reverter isto. Se o empresário se incomoda em não ter negros nas instâncias de maior poder de sua empresa, a pergunta é o o que ele está fazendo para reverter isto? Que tipo de parceria ele pode fazer com o setor público para que a empresa dele possa receber a mão de obra negra. Será que de fato ele está incomodado com esta diferença ou ele se acomodou e é só mais um dado nestas pesquisas? Esta é a grande questão. Eu acho que esta é uma das funções da secretaria, fomentar, instigar e acima de tudo provocar o debate. Fazer com que a sociedade venha participar da mudança.

Na trajetória política do sr. tanto na Câmara como no secretariado, são lugares onde o número de negros é bem menor do que o de brancos. Qual a saída para diminuir esta diferença?

Isto passa, necessariamente, por uma política de quotas no funcionalismo público. Objetivamente é isto. A cidade de São Paulo não está preparada para assumir abertamente o debate sobre quotas no funcionalismo público, mas a secretaria tem obrigação de provocar este debate. E isto passa pelas instâncias políticas, não só interna da prefeitura, mas também entre as lideranças partidárias dos mais variados partidos. As campanhas de sensibilização tem objetivo justamente disto, dechamar atenção para setores onde o negro ainda encontra a invisibilidade. Por isto, nesta questão específica não tem outro jeito, a política de quotas no serviço público vai ter que ser uma das pautas da secretaria. E o início desta pauta é campanha de conscientização que vamos fazer.

O sr. disse que pretende criar um conselho municipal para promoção da igualdade racial. Como será este conselho?

Já existe um conselho estadual e o conselho municipal existe, mas não é muito representativo e o que nós queremos é dar força para este conselho municipal.

Como será a relação da secretaria municipal com a secretaria do governo federal?

Acho que as inciativas da secretaria vão encontrar apoio e amplitude aqui na cidade de São Paulo, tendo em vista a possibilidade orçamentária. Muitas das ações que a Seppir não consegue implementar por falta de verba, nós poderemosdesenvolver. Muitos dos projetos da Seppir foram desenvolvidos na Cone e nós vamos dar vazão aos projetos da secretaria nacional. Vamos atuar como uma ponte entre a Seppir e a cidade de São Paulo.

Jovens negros do sexo masculino estão entre as maiores vítimas da violência no país e foram a maioria das pessoas mortas entre setembro e novembro do ano passado em uma das piores crises de segurança que São Paulo já teve. Como a secretaria vai combater isto?

A exclusão social está intimamente ligada à violência contra a juventude negra. No momento em que eu sentei com o prefeito Haddad para conversar sobre o convite para assumir a secretaria, a primeira coisa que eu fiz ligar para o Gilberto Carvalho e conversar sobre a intenção de trazer o Juventude Viva na cidade de São Paulo. Ele é único programa público, completo, capaz de brecar os índices de extermínio da juventude negra na periferia de São Paulo.Eu não vejo nenhuma outra maneira de trabalhar para isto sem ter o apoio do governo federal e do governo estadual. A única maneira é por meiodesta participação e o papel da secretaria será fazer esta ligação. Junto com a Secretaria de Direitos Humanos, poder agregar as demais secretarias municipais, trazer a secretaria estadual de segurança e ter a secretaria-geral da União. Trazer um programa desta magnitude, que envolve não só a prevenção para evitar que os jovens ingressem em situaçõesde delito, mas também aqueles que já se envolveram, como os internos da Fundação Casa, e que precisam de uma oportunidade. Eu acho que o Juventude Viva tem tudo para dar certo em São Paulo e é a maior aposta para a juventudenegra de São Paulo.

O sr. considera a violência contra jovens negros o pior problema a ser enfrentado?

Sem dúvida. Não há nada pior que ver uma mãe chorando porque seu filho não existe mais. O fato de ter acontecido a morte, ter acontecido o extermínio é porque todas as políticas falharam. Desde segurança pública até a assistência social. A gente não acredita que o menino que hoje está na Fundação Casa está lá porque ele quer isto e porque tem prazer em estar lá. Se o poder público não interceder, este menino quando sair, volta para lá, ou para um presídio ou morre. É preciso quebrar isto.

Como o sr. pretende trabalhar com movimentos sociais que combatem este tipo de violência?

A secretaria vai, por meio do conselho municipal, buscar fortalecer o contato e trazer estes movimentos e, em alguns casos também, incentivar.

Por: Raimundo Oliveira, da Rede Brasil Atual

http://www.redebrasilatual.com.br/temas/politica/2013/01/para-netinho-violencia-contra-jovens-negros-e-maior-problema-a-ser-enfrentado

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